Porque eu e você não nos achamos tão bonitos assim

Por Hellen Albuquerque

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Começou quando eu tinha uns 7 anos. Eu queria a Barbie, queria ser como ela. Afinal, que menina dessa idade anos não quer? Tingi meu cabelo pela primeira vez. Mechas loiras por todo o meu cabelo naturalmente escuro. “Como sua mãe deixou?!” Desde cedo tinha opiniões muito fortes (uma criança terrível. Nem a Super Nanny conseguiria me impedir) e meu cabelo acabou cortado em Chanel, ficando forçadamente liso pelo pente. Eu agora tinha uma cabeleira desforme, nem enrolada, nem lisa, muito menos controlada. Foi aí que começou.

A Barbie foi minha primeira referência de beleza e espero que você concorde comigo: uma referência colocada à nossa disposição desde muito, muito cedo. Cedo demais.

E não apenas isso. A Barbie é loira, cabelos longos, magra e, ainda assim, cheia de curvas, heterossexual e muito bem casada com o Ken. Perfeita, alguns diriam. Opressora, eu contestaria.

Cresci assistindo à MTV durante a tarde e filmes de comédia romântica à noite. As mocinhas, tanto as que cantavam quanto as que atuavam, insistiam em manter o padrão Barbie de ser. Aqueles fios lisos e dourados me encantavam, mas eu jamais poderia ser loira. Só por parte de pai tenho ascendência árabe, portuguesa e mexicana. Sou daquelas morenas que não têm cor de uma origem só – somos muitas, fique atento! Sou uma completa mistura de etnias. E qual brasileiro não é uma salada de culturas?

Eu adorava ler qualquer coisa, até bula de remédio. Lógico que revistas de moda, beleza e comportamento caíram em minhas mãos. Eu vivenciei o lançamento da Atrevidinha, revista pêndulo da Atrevida, voltada para pré-adolescentes (tenho a edição número 1 ainda, estou esperando virar raridade pra vender e ficar milionária).

Entre as dicas de como saber se o guri da escola está afim de você e como dar seu primeiro beijo sem passar vergonha (como se isso fosse realmente possível),apareciam entre as páginas coloridas diversas meninas, brancas, loiras, com um corpo nem um pouco correspondente à idade do público. Eram ditas também as melhores formas de se usar uma saia rodada, o jeito certo de colocar as botas, a camiseta colorida mais legal do verão – que você tinha que comprar!

Aos 13.

Meu cabelo já era rosa, as mudanças quanto a isso (cor do cabelo) eram sempre constantes. As meninas da escola já eram bem maiores que eu, com corpos praticamente todos formados. Eu era a tábua de passar roupa. Magrela. reta.

Lógico que tentei engordar. Da mesma forma que eu lutava contra a natureza do meu cabelo o fazendo ficar liso, lutava contra a natureza do meu corpo, tentando fazê-lo mais curvilíneo, digamos assim.

Pratiquei diversos esportes (até wrestiling), comi que nem um avestruz durante anos. Nada. Nem um quilo a mais. Fiquei super saudável, mas não é bem o que estamos procurando, não é?

Não se engane, é difícil para todo mundo entrar em um jeans tamanho 36. Seja por ter muita ou pouca carne.

Feira de ciências na escola.Qual o meu tema? Mulheres que mudaram a história da humanidade (tenho a parte teórica desse trabalho guardada até hoje, me julguem). Entre a mãe de Jesus, uma aviadora e uma cientista. Acabei conhecendo Simone de Beauvoir.

Foi só em 2007, quando entrei no ensino médio, que revolucionei a cabeleira. Meu cabelo liso, que chegava abaixo da minha cintura, virou um repicado na altura das orelhas.

Que libertação!

Fui conhecendo e aprendendo mais e mais sobre o feminismo (se você acha que isso significa que eu odeio homens, acho que as mulheres são as melhores e quebro tudo quanto é estatua de santo por aí, vai ler a wikipedia, saber como são as coisas de verdade e depois volta pra cá). O que eu posso dizer é que mudou minha vida. Piegas, eu sei. Me desculpe, assisti a muitas comédias românticas.

A verdade é que nós queimamos sutiãs todos os dias. Quando estamos dois quilos acima do peso ideal (que simplesmente não existe, admita) e colocamos aquela legging da estação passada, sobra um pouquinho de um lado e de outro, mas tudo bem. Quando a gente se olha no espelho e resolve usar o batom que todo mundo fala mal, só porque gostamos da cor. Quando compramos uma blusa estampada que não deveríamos usar, porque blablabla

Hoje eu tenho cabelo curto e enrolado. Sou morena, magricela e adoro assistir Tarantino. Final feliz. Mas se a mídia, a moda, os blogs tanto a oprimiram – você me diz – por que você escreve sobre isso agora?

Para que as coisas mudem, eu respondo.

Texto originalmente publicado em Blog Indumentária.